“Da grandeza de meu tetravô materno só guardei as vassouras; das fazendas só as fotografias... E agora escrevi este livro”, diz a autora neste romance arrebatador e imaginoso, mas fincado numa fazenda cuja memória brota dos escombros.
Os escravizados, “inimigos inconciliáveis do dono”, são personagens solares deste notável romance, que consegue conciliar documento e ficção numa prosa de fascinantes recursos criadores.
A escritora sabe lidar com maestria invejável, trazendo para seu romance o escravo que tinha sido rei ou príncipe em sua terra e agora, inconformado com a má sorte, transforma-se em profeta raivoso para, no terreiro, báculo nas mãos, anunciar o fim dos barões do café: “Os barões e fazendeiros e os filhos de seus filhos vão sofrer tanto quanto nós sofremos no cativeiro!”.
Esta maldição será, mais que dita, entoada ao longo do romance como bordão, enquanto a vida passa pela fazenda e pelo romance ao som da fúria dos acasos, que irrompem aqui e ali como que para mostrar fragilidades escondidas.
Os leitores têm diante dos olhos um romance vigoroso, que conta a história da velha ordem a partir de um mirante encantador: a de quem vive na memória, hoje, um mundo que desapareceu, mas cujas raízes profundíssimas ainda moldam a vida de todos os brasileiros.