"Basicamente, "A senhora da Casa do Sono" conta a história de Théo (o neto de Giuseppe), um jovem que, como tantos, lutou contra o regime militar, na juventude e na fase madura da existência, quando ele descobriu que "o dinheiro é a mola do mundo". Nesse contexto, o romance trata - entre outros aspectos - dos custos da opção pelo sucesso material. E dos conflitos interiores decorrentes daquela opção, os quais, de resto, são conflitos típicos do nosso tempo, da crise de transição para a pós-modernidade, que contrapõe a racionalidade instrumental - e seus elementos constitutivos, ou seja, a sociedade de consumo, o mercado, a empresa, a eficiência, o lucro - ao conjunto de valores mais caros da vida humana, como o amor, a sexualidade, a religião, a ideologia, a cultura, e a memória individual e coletiva.
A narrativa, muito bem conduzida, internaliza no personagem principal aqueles conflitos, e a crise de nosso tempo, entre os valores puramente humanistas e a racionalidade instrumental. O drama de Théo é potencializado quando este encontra Mathias, um psicanalista aposentado, um homem místico, de tendências holísticas, que não acredita no tempo.
Traspassa a história (em meio ao intrincado jogo dos negócios e às instigantes provocações de Mathias), a obcecante fantasia de reconquista do paraíso perdido, identificado com a primeira infância do "herói" ou - quem sabe? - com um estado ainda mais arcaico. O regaço materno, objetivo último daquela busca - e razão de todo empenho pessoal do personagem vida afora, inclusive no plano material - é sintetizado na figura mítica da "Senhora da Casa do Sono", um símbolo do imaginário masculino - familiar aos contos de fada e presente nos mitos - que, segundo Campbell, representa a mãe, a irmã, a amante, a noiva: enfim, "tudo que o mundo possui de mais sedutor".
No que toca à forma, os méritos literários da obra são inquestionáveis. Trata-se de um livro bem escrito (que revela, por parte do autor, um apurado manejo da língua), onde sobressaem a segura narrativa da História e, sobretudo, um amplo domínio da difícil técnica de desenvolvimento dos diálogos.
Em suma, uma temática atual, numa história eletrizante, muito bem contada, em linguagem que pode ser considerada leve sem deixar de ser sofisticada, e que prende a atenção do leitor até o final. E, por falar em final, o final do livro é absolutamente surpreendente. Vale a pena conferir.
(Nilson Melo)