Pelas terras encharcadas do Pantanal não é de hoje que se conta que madrugada adentro o Jaguaretê-ava perambulava pelas matas na fronteira entre Brasil e Paraguai. Um “homem-onça”, nascido das histórias dos xamãs que controlavam os poderes da natureza vestindo a pele do bicho e, assim, conseguiam tomar para si a forma do jaguaretê, a onça-pintada. Eram eles os responsáveis por garantir a caça da tribo, a segurança e, por isso, eram eles os responsáveis por tirar o sono de qualquer um que tentasse invadir seu território. Não há tropeiro, campesino ou estancieiro dos tempos em que os brancos chegaram ao Pantanal que não tenha ouvido a ameaça: um índio que matava forasteiros na tentativa de proteger as matas. Meio bicho, meio gente, por décadas, apavorou a região com seus ataques. Essas e outras histórias estão no livro “A Onça na Cultura Pantaneira” , do fotógrafo Adriano Gambarini e da jornalista Laís Duarte. São relatos presentes nas lendas, na cultura, no folclore e na rotina dos pantaneiros. O maior felino das Américas está tão entranhado na vida de quem nasceu a oeste do mapa do Brasil que sua fama é usada até para amansar as crianças: “Não vá aí que tem onça”. “Se desobedecer, a onça vai te pegar.” Para juntar os netos na barra da saia não havia alternativa mais eficaz: “Perto da vovó a onça não te agarra”. A obra, confeccionada pela Produtora WCP, com apoio do Bank of America / Merrill Lynch, por meio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, conta que desde os primórdios os peões fazem pactos com o saci-pererê antes de sair em comitiva. Pela tradição, procuram uma árvore sagrada para os indígenas, assobiam três vezes o assobio do saci. Em troca da proteção contra a pintada, trazem oferendas: fumo, pinga e mel. Para os nascidos na região, onça é capaz de matar, de ferir, causar prejuízo. Ou melhor, era. Pelo menos nas cercanias de Miranda, antes do Projeto Onçafari desembarcar para apaziguar a milenar relação conflituosa entre homem e bicho. Hoje, graças em muito ao Onçafari, celebra-se por lá a fortuna diária de se avistar onças-pintadas passeando sorrateiras, livres, seguras, protegidas, selvagens. Com fotos também do ex-piloto Mario Haberfeld, fundador do projeto, o livro demostra que estratégias de conservação como o ecoturismo trouxeram renda e consciência ambiental para a população. Como consequência, menos medo e mais respeito às onças-pintadas. Elas, chamadas também de jaguares, yaguaretés, jaguaretês, tigres, canguçus, pintadas, pinimas-malha-larga e pixunas, são os maiores felídeos viventes da América. Do sudoeste dos Estados Unidos até o coração da Argentina, tudo era território delas. Cortavam continentes da costa leste à Cordilheira dos Andes. Hoje, estão espremidas em 45% de sua área original. Apenas 19 países ainda contam com o privilégio de manter onças em suas entranhas. Em El Salvador, Estados Unidos e no Uruguai o bicho está oficialmente extinto. No Brasil, é considerado vulnerável. A luta dos animais para sobreviver, os esforços de biólogos e veterinários na pesquisa científica, o sucesso ecoturismo estão na obra, que traz páginas ilustradas com mais de 180 imagens primorosas e raras. Para que as onças continuem causando encanto e admiração nas matas brasileiras e não apenas nas páginas dos livros nasceu “ A Onça na Cultura Pantaneira”.