“Escrever é parecido com andar”, crava Fabrício Corsaletti na nota de abertura deste livro. E para acompanhá-lo não é preciso ter sapatos especiais: basta abrir os ouvidos e se deixar levar pelo ritmo. Um milhão de ruas reúne cerca de 190 textos escritos entre 2010 e 2025, vários deles inéditos. Se a maioria é composta por crônicas no sentido corrente do termo, uma boa parte escapa às definições e se aproxima do conto, do poema, da prosa poética afiada como uma lasca ou, ainda, da pura notação lírica e, no limite, do aforismo.
Essa multiplicidade de registros corresponde a uma multiplicidade de formas de apreender e experimentar o mundo, que aqui comparece com todo o seu fascínio. Há lances geniais, como o encontro com as três bandeirianas mulheres do sabonete Araxá, percepções agudas da tragédia brasileira despertadas por uma rua cheia de sapos, saltos mortais de alegria e/ou desespero e uma agulha imantada que aponta dia e noite para a aventura e o desconhecido.
Em dezenas de textos notáveis, a matéria do cotidiano se abre para outras dimensões e revela o andamento espantoso da vida contemporânea. Tudo isso graças a um olhar lírico-cinematográfico e a uma escrita que incorporou a inteligência e a leveza de mestres da crônica como Rubem Braga, dos compositores da MPB, reverenciados nestas páginas, e bebe na boa literatura de todos os quadrantes. Diante deste livro fabuloso, o melhor é não ter pressa e percorrê-lo rua a rua, sabendo que a poesia arma seu bote a cada esquina.