Numa época como a nossa, em que escutar as diferenças tem sido particularmente difícil, Hilza Ferri tem a ousada proposta de fazer dialogar campos discursivos que, apesar de terem seus pontos de interseção, também distanciam-se bastante no modo de abordagem disso que compartilham.
O livro parte de uma premissa importante: o fato de que tanto a psicanálise como o feminismo negro debruçam-se sobre algo que excede a normatividade fálica, aquela que Lacan chamou de norme-male, neologismo que na língua francesa equivoca o normal com a “norma-macho”. De fato, estamos diante de algo que não se submete completamente à drenagem operada pelo significante fálico, aquele que inscreve o impossível como falta na cadeia simbólica.
Pois bem, partindo desse mínimo em comum, ou seja, o fato de identificarem na mulher, no negro (mas também, no nordestino, na comunidade LGBTQIA+, entre outros) os avatares disso que historicamente ocupa um lugar de rechaço na cultura por não se encaixarem na ortopedia do gozo fálico, teriam a psicanálise e o discurso feminista negro algo em comum no modo de abordagem dos sujeitos que encarnam essas identidades? Penso que é esta a questão fundamental que o livro de Hilza tenta responder.