"Desde que os estudos para a paz emergiram nas décadas de 1950 e 1960 em universidades e centros de pesquisa dos Estados Unidos e de alguns países europeus, essa área de estudos, originalmente concebida com uma vocação transdisciplinar e orientada para a prática, procurou tirar a paz do panteão das grandes abstrações metafísicas, a fim de situá-la no mundo concreto das categorias socialmente realizáveis. Nessa trajetória, uma agenda mais técnica e instrumental, voltada para a produção de conhecimento objetivo e útil para a resolução de conflitos, caminhou paralelamente a uma agenda mais abrangente, crítica e transformativa, comprometida com a construção de relações mais justas e não violentas em todos os níveis das interações sociais – do individual ao internacional.
Tanto em sua vertente mais técnica e instrumental quanto em sua vertente mais crítica e transformativa, os estudos para a paz acumularam uma produção de conhecimento extraordinária sobre a violência e o conflito, suas causas e consequências, e as condições para a paz. O saldo positivo desses esforços é imenso e não deve ser negligenciado. Porém, ainda que se reconheçam esses resultados, não se pode deixar de notar que um viés eurocêntrico e anglófono sempre esteve subjacente a essa produção de conhecimento, deixando aberta uma lacuna a ser preenchida com debates e reflexões produzidos fora desse eixo preponderante.
Dentro desse quadro, este livro surge como uma importante iniciativa de descentramento. Ao propor um olhar para os estudos para a paz a partir de “perspectivas brasileiras”, Roberta Holanda Maschietto e Marcos Alan Ferreira, juntamente com os colaboradores e as colaboradoras que integram esse valioso esforço coletivo, promovem um deslocamento da agenda dos estudos para a paz para lugares, questões e vozes que escapam das posições e vieses predominantes.
Pensar a paz a partir do Brasil é um pensar reflexivo que nos confronta com as nossas próprias condições sociais, com as nossas possibilidades de produção de conhecimento, com as nossas violências e com as nossas alternativas de paz. Ao deslocar o debate para essa perspectiva, são as nossas questões, as nossas vozes e o nosso idioma que aqui ocupam o centro do palco."