A apropriação de conceitos de uma disciplina por outra implica o apoderamento de concepções originadas em um sistema distinto, o que demanda adoção, assimilação, desvelamento ou criação de possíveis significados. Inevitavelmente, a apropriação de conceitos por disciplinas diferentes daquelas nas quais foram gerados os transforma. Os significados podem assemelhar-se, estar próximos aos de sua origem, mas não são mais os mesmos. Ao serem apropriados sofrem ajustes exigidos pelo novo contexto: modificam-se a fim de se adaptarem, serem aceitos e se incorporarem ao novo habitat.
Apropriação implica, portanto, em movimento. Trata-se de um processo no qual os conceitos apropriados necessariamente criam relações com as culturas nas quais são inseridos e com os valores que ali imperam. Esse fluxo é composto de incorporações, assimilações e ajustes para que os conceitos, transformados, ganhem espaço e se integrem à nova disciplina. Já quando modificados e incorporados, provocam mudanças no modo de compreender os objetos de conhecimento, os objetivos e os modos de concretizar ações da disciplina que os recebe. Em outras palavras, parte e todo se ajustam visando à melhor forma, possibilitando que os conceitos sejam, então, novamente apropriados pelos adeptos do sistema.
A apropriação de conceitos de uma disciplina por outra encontra resistências e, sob certo ponto de vista, é considerada uma usurpação e, principalmente, um desvio do rigor teórico, exatamente por alterar significados. O conceito original, stricto sensu, só teria sentido no sistema em que foi desenvolvido.
No entanto, a história da ciência mostra que a apropriação e a modificação de conceitos podem ser férteis: provocam reordenamentos disciplinares e novas práticas, possibilitam a junção de diferentes campos do saber e o cruzamento de linguagens diversas, criam novos domínios do conhecimento e diálogos interdisciplinares. Neles, o uso do mesmo termo com distintos significados exige o esclarecimento das referências ou a definição de matrizes coletivas que assegurem trocas e, ao mesmo tempo, garantam a preservação da identidade de cada disciplina.
O livro que o leitor tem em mãos possibilita interessantes reflexões a partir das colocações anteriores. A Psicologia se descolou da Filosofia a partir da definição de seu objeto de estudo e do desenvolvimento de conceituações próprias. E, em um movimento interativo, a escolha por esta ou aquela abordagem filosófica determinou as diferentes definições de seu