Ao converter em livro a experiência de uma viagem pelo Brasil, Ruy Duarte de Carvalho insere-se na tradição de viajantes que, desde a carta de Caminha, tem registrado o que aqui se "oferece de espetáculo, de estímulo e de espanto", nas palavras do autor deste surpreendente "Desmedida".
Se é já antigo o gesto, o que explica a força dessa narrativa? Uma das respostas está no fato de o autor não da vir da Europa em busca do "outro", e, sim, de Angola, com outras motivações, indicadas ao longo do seu roteiro. Melhor dizendo, dos roteiros, o da viagem no plano físico e o da construção do texto, ambos mobilizados pelo interesse no Brasil contemporâneo que a incursão na geografia e na história permite encontrar.
Seu rumo é pautado pelo desejo de aferir a pulsação do São Francisco, cortando as terras que ganharam estatuto lendário nos textos de Euclides da Cunha e de Guimarães Rosa. Refratário à superficialidade de contatos supostamente naturais, o autor oferece-nos outra forma de avaliar o jogo de relações entre o Brasil e Angola, entre o Brasil e a África, examinando similitudes, contiguidades e contradições e confrontando a experiência da viagem com a leitura de textos fundamentais para a análise de nossa formação.
Temos, assim, uma visão em movimento do país que Ruy Duarte de Carvalho define como um espaço de fronteira. Para melhor expressá-la, a narrativa transita entre o ensaio antropológico, a abordagem histórica e o terreno literário, detendo-se em questões que têm preocupado o escritor, para quem não existiria “a hipótese de uma viagem que tivesse o São Francisco em conta e de um livro que não perdesse nunca de vista nem o lugar de onde eu estava a sair nem o lugar para onde, nem que só de mim para mim, onde quer que estiver, estarei sempre a voltar”.