136 Minutos de pausa
Um homem busca espaço para apoiar seu cotovelo ao lado de uma mulher gorda no avião. O amor do ventríloquo se expressa pelas vozes dos seres inanimados. A vaca é transfigurada em fonte de alimento, de sonho, de desejo. Moacyr Scliar surpreende até quando se propõe a ser simples, como a saída que encontra para vencer o estresse no conto Pausa, ou quando conta sem floreios o que faz um corretor de imóveis para vender um apartamento de cobertura.
Sua matéria-prima é o que sabemos e o que não queremos saber da vida. Suas ferramentas são o insólito e o surpreendente.
Ler Moacyr Scliar estimula a curiosidade, dá medo, faz rir, arrepia, chega a desafiar a inteireza do estômago, o ritmo da respiração. Ao final, a arte se recompõe, nos afeiçoamos à mais estranha das criaturas, acostumamos com os mais indigestos rituais, nos apaziguamos diante das cruezas humanas e aceitamos que Moacyr tinha razão: o ser humano é mesmo esquisito.
Outros contos
Em meio aos contos reunidos nestes dois CDs há também a fantasia, que cresce desmesuradamente em "No Seio de Abraão", e o delicado lirismo da história do ventríloquo que não consegue expressar o seu amor.
Outros contos, como "O Tio Pródigo", "Escalpe", "Bandido", "O Candidato", "Comendo Papel" e "Uma Vaga" vão fundo na vileza, no desejo desenfreado, na capacidade de engendrar caminhos obscuros do ser humano. Também o olhar e o humor juvenis aparecem afiados em "O Dia em que Matamos James Cagney", "O Índio", "Um Mentiroso", "Aquele Velho" e "Ressurreição".
Há ainda muito mais a ser descoberto pelo ouvinte nos contos que completam esta coletânea, do humor inusitado da gorda que ocupa largamente a poltrona do avião ao suave esquartejamento de uma vaca numa ilha deserta. São todos elementos valiosos da prosa de Moacyr Scliar. Enfim, não faltam ingredientes para desejar um sincero "divirta-se".